TOCA: oito poemas de amor e uma canção angustiada

Amor é palavra mais estranha que a palavra sonho
e a gravidez noturna: a noite mais longa da vida de uma mãe.
Passaram por mim três estações
e ninguém esperou como eu esperei: um filho é lento.
Lento, doce, meigo, exército de coisas desconhecidas que conquistam,
que se alimentam, um mapa de guerra
com letra f de fado
um filho faz uma mãe nascer pra dentro.

De encontro ao luto perpétuo, a vida é inevitável.
Repito: a vida é inevitável.
Vi os ossos e a carne de que são feitos os diamantes
o corpo do milagre que convoca uma raiz íntima e cósmica
o teu coração a cento e cinquenta batidas por minuto
mais do que trance
a primeira vez que fui futuro.
Deixei de ser eu e nasci dum outro ângulo
a partir do olho do espírito
desde o início do tempo para sempre.
O meu lugar já não era o meu lugar.
O meu lugar foi o infinito cravado no cimento dos dias.
O corpo onde me movi foi tempo.

© Ricardo G. Campos

A construção textual é feita mais de um ano depois de o Jacinto, filho da atriz, nascer: oito poemas de amor e uma canção angustiada, escritos a partir da voz da Cátia Terrinca, mulher, menina, mãe por ser e mãe sendo, grávida que estava quando apresentou a performance Casa-Partida, na qual improvisou texto, num total de mais de dezasseis horas gravadas. No processo da TOCA, grande parte dos poemas foi extraída dessas gravações pelo método cut-up (recorte). A exploração dramatúrgica procurou com a atriz, a queda do outono para o inverno, transitando entre a profundidade íntima e a universalidade da gravidez ao longo dos nove meses, entre a autenticidade e o enigma poético que é um corpo que nasce de outro corpo, entre a memória e a ação em potência, entre o erro e a tremenda possibilidade do futuro.
José Pinto

© Ricardo G. Campos

Texto José Pinto, a partir de improvisação oral de Cátia Terrinca
Ilustrações, capa e design original Ricardo Guerreiro Campos
Revisão e paginação João P. Nunes
Revisão da tradução livre para crioulo de Santo Antão Márcia Brito
Agradecimentos António Proença de Carvalho, Helena Baronet, Paula Moita, Sofia Berberan
Edição UMCOLETIVO, Portugal, 2021
ISBN 978-989-33-1375-6

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